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Olhai os Lírios dos Campos © Letícia Thompson
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Dar um tempo na vida é tentar colocar a mesma em pausa. É quando nos encontramos numa encruzilhada e, de repente, não sabemos qual caminho seguir. É o medo de tomar decisões erradas que nos faz pensar que o melhor seria adiar pra ver depois no que pode dar.
Só
que a vida não é um filme que podemos parar um instante pra ir buscar
um café e depois voltar e recomeçar de onde paramos. A vida é bem
mais séria, bem mais exigente. Ela pede que tomemos decisões ;
errar é um risco que todos correm. Quem pode afirmar, com cem por cento
de certeza, que a decisão que toma é a certa, que tudo vai correr
exatamente como se passa dentro da sua cabeça ?
O
dia de amanhã não conhecemos. E é bem melhor assim. Imagino quanto sofrimento por antecipação haveria no mundo se soubéssemos
com certeza absoluta o que vai acontecer. O conhecimento do futuro
estragaria nosso presente. Em 1991 eu tive um caroço no seio. Foi horrível! Descobri à noite e até a manhã seguinte eu não pude dormir. A hipótese de que aquilo era uma coisa benigna e banal nem passou pela minha cabeça. Pensamentos negativos me assombraram a noite toda. Na manhã seguinte, fui ver o meu médico, um clínico geral. Ele examinou e me encaminhou para um especialista. No hospital, marcaram uma consulta para dezoito dias depois. Deus do céu ! Dezoito dias depois ! E como eu iria viver todos esses dias ? Talvez hoje, mais amadurecida, eu pudesse me repousar e me dizer de esperar, ter fé. Mas não naquela época. Milhões de coisas se passaram pela minha cabeça. Eu já me via morta, me perguntava como minha família iria reagir. E filhos ? Deus, eu nem tinha tido ainda tempo de ter filhos e já iria partir ! Não, eu não poderia esperar ainda dezoito dias para fazer a famosa mamografia. Liguei novamente para o meu médico, que se comunicou com o hospital e eles marcaram o tal exame para o dia seguinte. Mais uma noite sem dormir e lá estava eu, pronta para os exames. Já no primeiro, o médico disse que parecia algo banal, mas que para ter certeza eles fariam uma biopsia. O tal exame era desagradável. Enquanto faziam uma ultra-sonografia do seio, eles enfiaram uma agulha grossa para a retirada do material. Eu olhava atentivamente para o rosto do médico, acho que procurava nele uma expressão qualquer de preocupação. Ele parecia tranqüilo, fiquei tranqüila também. Ele me explicou que era provavelmente um fibroma, tumor benigno. Estavam fazendo o exame por segurança, mas que eu não deveria me preocupar. Disse que por causa do tamanho talvez fosse melhor retirá-lo, mas que aguardaríamos ainda uns seis meses e refaríamos um exame. Se o caroço estivesse crescendo, teriam que removê-lo por segurança, para que não riscasse de afetar os tecidos laterais.
O
resultado chegou e era mesmo o que ele tinha dito. Me tranqüilizei. Nem
pensei nisso até o próximo exame. Mas no seguinte eu já estava grávida
e não poderia fazer a mamografia. Fizemos então um simples exame de
ultra-sonografia e a senhora que fez já disse imediatamente quando viu
que era um fibroma.
Ele
parecia estável. Dois anos depois eu já havia aprendido a conviver com aquilo dentro de mim. Sentia um pouco de medo, mas não me apavorava. Minha primeira filha tinha nascido e eu tinha muito o que aprender da vida para tentar ensinar pra ela. Quando resolvi fazer a mamografia de contrôle seguinte, fiquei grávida da segunda e não pude. E depois que ela nasceu eu fui. O caroço tinha desaparecido, ninguém sabe como. Ele era grande, tinha alguns centímetros e não estava mais lá, em lugar nenhum. Me lembro que meu médico riu quando eu disse que « il est allé se promener », ele tinha ido passear.
Essa
foi uma das minha experiências. Aprendi que não vale a pena a gente se
preocupar com coisas que talvez nunca acontecerão. Eu sei que é bem
mais fácil falar que agir, mas é um fato e acho que devemos nos
exercitar a colocá-lo em prática.
Agora
eu estou passando por um período de divórcio e as coisas não têm
sido fáceis. Quando minhas amigas vêm a força com a qual eu encaro a
situação ficam surpresas. Dizem que sou corajosa. Corajosa, eu ?
Isso me surpreende. Não, não sou corajosa. Deus cuida de mim, é o que
digo sempre. Talvez devêssemos levar mais a sério a passagem bíblica dos lírios dos campos. E viver nossa vida de hoje como se amanhã não existisse. E deixar o filme rolar enquanto buscamos nosso cafezinho. Não se dá tempo na vida, porque a vida não pára o tempo pra gente. A gente vive minuto por minuto, segundo por segundo. E Deus está presente, porque Ele sim, é o mesmo de ontem, de hoje e de amanhã.
Letícia
Thompson 24.01.2003 |
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Outras apresentações Sérgio S. Oliver
Música: Ao amigo distante - Cristina Mel |